quarta-feira, 25 de junho de 2014

Foucault no Mercado Joaquim Távora

Foi saboreando o melhor bolo mole da cidade que conheci dona Joana D’Arc. Com um copo de café e leite em uma das mãos e à procura de um lugar de onde eu pudesse ouvir as conversas alheias, interrompi sua leitura diária de jornal e perguntei se poderia sentar à sua mesa. Respondeu que sim.

Não demorou muito, foi ela mesma quem interrompeu sua leitura e comentou indignada sobre a resposta truculenta dos governos contra um setor que estava em greve no estado. Eram ainda os ventos de junho soprando as folhas das árvores do Joaquim Távora.

Fiquei animada e segui ouvindo, bem mais do que falando. Mas aí deu a hora de pegar o ônibus e ir para o trabalho. Então me despedi com alegria e promessa de lhe adicionar naquela rede social para uma extensão virtual dos nossos diálogos. – Joana D’Arc. Você coloca lá e vai ver. Estou de óculos escuros e com um bonezinho. –, descreveu.

Não encontrei Joana D’Arc. Ou melhor, encontrei Joana D’Arc de tudo quando foi parte do mundo! Mas nenhuma era a que tinha um armarinho no mercado. – Um armarinho de vender utensílios domésticos. Coisas de casa, sabe? – bem do jeitinho como ela falou. Me deu foi uma tristeza, ainda mais porque os cafés dali em diante nunca mais foram os mesmos sem sua presença.

Até que um dia, recebi em casa uma visita vinda lá de São Luís. Era final de semana e o fósforo acabou. – Vou ali embaixo ver se encontro. – E desci. Como tudo estava fechado, resolvi caminhar mais uma quadra e ir até o mercado. Já nem lembrava mais de dona Joana D’Arc quando a vi vendendo um conjunto de pratos a uma outra senhora. Sorrimos e ficamos muito contentes!

– Camila! Que bom encontrar você por aqui! Olha, você não me adicionou.
– Que surpresa boa! Mas, deixa eu lhe dizer: eu tentei tanto...
– É muito fácil! É só colocar “Joana D’Arc” que vai aparecer minha foto. Estou de óculos escuros e um bonezinho.

E eu só lembrava do bonezinho. Pedi a ela que anotasse meu nome em um papel para que ela mesma pudesse me adicionar. Afinal de contas, haveria de ter menos Camila Chaves que Joana D’Arc mundo a fora. Me pediu para sentar e conversar um pouco e eu disse que não podia por conta da visita que me aguardava chegar com os tais dos fósforos. Compreendeu bem e se prontificou a me acompanhar até a saída do Mercado.

– E como é que a senhora está? Como vai a vida?
– Estou bem e terminando minha monografia.
– É mesmo? Que coisa boa. E sobre o que a senhora está escrevendo?
– Sobre o segundo livro de A História da Sexualidade, de Michel Foucault.
– Caramba, não acredito!

Cheguei à porta do Mercado com os fósforos na mão e a cabeça revirada de ideias.

Recordo-me de um dia ter concluído, que, mesmo tendo sido Foucault costumeiramente relacionado a um conceito de poder mais macro, a mim interessou mais a micropolítica como contribuição. Uma política mais molecular, que ganha forma nas relações cotidianas, como numa conversa de mercado ou no encontro com uma gente que anda por aí carregando um monte de histórias sem ninguém nem saber, feito dona Joana D'Arc.

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